30 PROTOMÁRTIRES BRASILEIROS – Parte 02

VOCAÇÃO DE JESUS!
Deus seja amado com todas as forças de nosso coração e de nossa alma.

01/11/2022

(Para ler a parte 01, clique aqui link)

POTENGI É ASSEDIADA

(Texto do livro: “Protomártires do Brasil”, de Mons. Francisco de Assis Pereira.
Aparecida-SP, Editora Santuário, 2000)

Deixando Cunhaú após a horrível matança, Jacó Rabe e seus ferozes aliados tapuias continuaram o seu itinerário de sangue por várias localidades da Paraíba e do Rio Grande, chegando em setembro à Casa Forte de João Lostau Navarro, um francês de Navarra que possuía terras naquelas redondezas. De acordo com as pesquisas de Olavo Medeiros, a Casa Forte ficava situada perto da praia de Tabatinga, a poucos quilômetros de Natal.

Nessa incursão, vários moradores foram mortos.

O proprietário “por ser estrangeiro” foi levado preso para o Forte dos Reis Magos. No Forte, Lostau Navarro encontrou-se com outro prisioneiro português, Antônio Vilela Cid, acusado de cumplicidade na morte de um holandês no Ceará e de fazer parte de uma conspiração que visava a expulsão dos holandeses; além do Pe. Ambrósio Francisco Ferro e de outros quatro moradores do Rio Grande, ali recebidos como hóspedes.

A etapa seguinte da fatídica viagem de Jacó Rabe foi Potengi, onde os 70 moradores estavam refugiados na cerca de pau-a-pique. Acreditava ele tratar-se de uma tarefa fácil, pois os moradores não tinham como resistir por longo tempo e logo se entregariam. Eles, porém, resistiram heroicamente com as poucas armas à sua disposição: 17 armas de fogo, algumas espingardas, dardos, mosquetes, espadas, zagunchos e paus tostados.

O “aleivoso Jacó” ainda tentou persuadi-los a entregar suas armas em troca de defesa e proteção, mas os moradores não se deixaram enganar:

Os cercados lhe responderam que bem certificados estavam de que ele era o mesmo que mandara matar os moradores de Cunhaú, estando inocentes (…), no tocante às armas, que as não haviam de entregar, porque as tinham para se defenderem de quem os quisesse matar, porque era a defensão natural, permitida pelas leis divina e humana.”

Foi quando o irritado Rabe mandou vir do Forte Ceulen o reforço de duas peças de artilharia. Não havia mais como resistir; os bravos moradores se renderam:

Os miseráveis, vendo a artilharia preparada e tanta resolução e eles sem nenhum remédio e sem pólvora, cercados naqueles campos de tantos holandeses, trataram da entrega, sendo os concertos que lhes prometeram de os guardar, e conservar com as vidas e fazendas, e para isso fizeram suas capitulações.”

Depuseram as armas e entregaram cinco companheiros como reféns a serem conduzidos à Fortaleza dos Reis Magos:

  • Estêvão Machado de Miranda,
  • Francisco Mendes Pereira,
  • Vicente de Souza Pereira,
  • João da Silveira 
  • e Simão Correia.

Em troca se lhes davam garantias de vida e passaportes em nome do príncipe de Orange. Os moradores, porém, não acreditavam nessas promessas: resignados, aguardavam a sorte, entregues nas mãos de Deus.

O PRIMEIRO GRUPO DE MORADORES É SACRIFICADO

Com a rendição da cerca e o envio dos reféns à Fortaleza dos Reis Magos, os moradores do Rio Grande ficaram em dois grupos: 12 pessoas na própria Fortaleza, incluindo os 5 hóspedes, 5 reféns e 2 prisioneiros, e o restante dos moradores na cerca de Potengi, sob custódia.

Os holandeses planejaram logo a eliminação do primeiro grupo, certamente por se tratar de pessoas de influência e de prestígio na cidade: o vigário, um escabino e um rico proprietário. O fato serviria de exemplo para os outros moradores.

Tudo começou com as ordens do Alto e Secreto Conselho do Recife para executar os rebeldes, e a visita do Conselheiro Adriaen van Bullestrate, um dos três que dirigiam os destinos do Brasil Holandês. […] Segundo os cronistas portugueses, Bullestrate teria chegado à Fortaleza dos Reis Magos, procedente do Recife, no dia 2 de outubro, véspera da execução dos mártires de Uruaçu.

Na realidade, a fonte portuguesa mais antiga, a Relação de Lopo Curado Garro, […] (fala) tão-somente da chegada nesta data de uma lancha trazendo as ordens do Supremo Conselho:

Em dois do presente mês de outubro, chegou uma lancha do Recife ao Rio Grande e conforme a execução que se fez, trouxe ordem para matar a todos os moradores de dez anos para cima como ao diante se verá.”

O Conselheiro Bullestrate veio logo depois para inspecionar os trabalhos e verificar se as ordens tinham sido fielmente cumpridas […]. Os 12 portugueses da Fortaleza foram embarcados em batéis e levados “rio acima” para o porto de Uruaçu, lugar escolhido para a execução. Segundo as tradições locais, o lugar do martírio, conhecido hoje como porto do Flamengo, fica às margens do Jundiaí, vizinho à gamboa do Catolé (…).

Chegando ao lugar “que para a navegação era porto, e para o martírio teatro”, na bela expressão de Frei Rafael de Jesus, tudo já tinha sido precedentemente preparado para se executar o massacre. Os índios já tinham sido avisados e lá estava o chefe potiguar Antônio Paraopaba com os seus comandados.

Este chefe indígena, […] educado na Holanda e, mais tarde, constituído pelos holandeses regedor dos índios da capitania do Rio Grande, tinha-se convertido à religião reformada e era um seu fanático defensor. 

Numa atitude ameaçadora e arrogante, Paraopaba “escaramuçando num cavalo”, estava à frente de um pelotão de mais de duzentos índios, bem armados, pertencentes aos dois grupos principais de índios da região: potiguares e tapuias.

Logo que desceram dos batéis, os flamengos ordenaram aos doze moradores vindos da Fortaleza que se despissem e se ajoelhassem. A um sinal dado por eles, os índios, que estavam emboscados, saíram dos matos e cercaram os indefesos colonos:

Saíram dos matos com gestos e gritos tão medonhos que causariam espanto ao insensível, quanto mais aos humanos, destinados para serem a presa d’aqueles tigres.”

Teve início, então, a terrível carnificina, descrita com impressionante realismo e fortes tintas pelos cronistas portugueses. Nas descrições, nota-se claramente o contraste entre a crueldade e a violência dos algozes, e a paciência, a resignação e o perdão das vítimas:

“Começaram… a dar tão atrozes tormentos aos homens, e tão desumanos, que já muitos dos que o padeciam, tomavam por mercê a morte; mas usaram os holandeses da última crueldade, dilatando a pena, e depois de cansados de darem tão aspérrimos tormentos aos homens, os entregaram aos Tapuias e Potiguares, que ainda vivos os foram fazendo em pedaços, e nos corpos fizeram tais anatomias que são incríveis; arrancando a uns os olhos e tirando a outros as línguas e cortando as partes vergonhosas e metendo-lhas nas bocas.”

“Retiraram-se os holandeses, e entraram de refresco os Alarves, e não achando naqueles corpos parte que de novo pudessem atormentar, os foram cortando e dividindo, por todas as juntas, até que neste martírio deram as almas a seu Criador, envoltas nas confissões da fé e nas galas da esperança. Horríveis à sua vista deixou a crueldade aqueles corpos, tanto que nem ainda tinham formas de troncos: a muitos abriram, para Lhes tirarem as entranhas, depois de lhes cortarem as cabeças, as pernas e os braços, porque o não parecessem; às cabeças tiraram as partes que lhes dão a forma, como olhos, línguas, narizes e orelhas; aos braços, as mãos; às mãos, os dedos; e porque tivesse a crueldade de todos parte no todo, não ficou gentio que não cortasse a sua parte.”

A este espetáculo barbárico contrapõe-se a atitude serena e profundamente cristã dos moradores na hora suprema:

Mandou que todos se despissem e se pusessem de joelhos. Com este mandato queria a tirania tirar à paciência o ser da virtude, e fez com que a obediência a duplicasse. Sem repugnância todos obedeceram, postos os olhos no céu, ao qual se ofereciam em sacrifício, certos de ser chegada sua última hora.”
“Pedindo todos a Deus que tivesse deles misericórdia, e lhes perdoasse suas culpas e pecados, protestando que morriam firmes na santa fé católica crendo o que cria a santa madre Igreja de Roma.”

PROTESTANTE TENTA TIRAR A FÉ DOS MÁRTIRES

Um elemento de fundamental importância para a caracterização deste massacre como verdadeiro martírio é a presença de um predicante da Igreja Reformada, chamado na ocasião para tentar demover os piedosos moradores de suas convicções religiosas, exortando-os a abjurar a sua fé. Os servos de Deus se mantiveram firmes:

Os soldados de Cristo, com novo espírito, venceram a nova batalha, e com palavras e ações abominaram a cegueira herética e os condenados erros de suas seitas, confessando a gritos que morriam na pureza da fé católica, que crê e ensina a santa Igreja de Roma: e que, de todo o coração, detestavam todos os artículos que se desviavam de seus sagrados decretos, pela observância e confissão das quais estavam prestes a dar, uma e mil vidas, se as tiveram.

Após o massacre, os corpos dos servos de Deus completamente mutilados ficaram espalhados por todo o campo, às margens do Uruaçu.

O SEGUNDO GRUPO DE MORADORES É SACRIFICADO

Enquanto o Pe. Ambrósio Francisco Ferro era sacrificado na companhia dos reféns e prisioneiros trazidos da Fortaleza dos Reis Magos, os outros moradores, em número bem maior, aproximadamente 65 homens com suas mulheres e filhos, permaneciam trancafiados na cerca de Potengi, sob custódia de soldados holandeses.

Quando tiveram de se render ao bando fortemente armado de Jacó Rabe após uma heróica resistência, como foi narrado anteriormente, os moradores já não nutriam ilusões sobre a sua libertação e com espírito de resignação cristã, aguardavam o momento do martírio, que sentiam iminente.

O clima que reinava, então, na cerca, era de intensa religiosidade. Segundo as narrações dos cronistas, faziam-se aí orações, procissões com o Santo Crucifixo, jejuns e penitências extraordinárias, com ásperos e bem apertados cilícios, cordas e outros instrumentos de penitência.

No momento em que seus corpos foram despojados de suas vestes para serem entregues aos algozes, e também ao serem preparados para a sepultura, visíveis eram os sinais desta austera penitência sobre os seus corpos. Lopo Curado Garro descreve a cena com estas palavras:

Houve também entre estes mártires grandes penitências, sem saberem uns dos outros, e ao dia que padeceram, jejuavam todos a pão e água, assim os da fortaleza, como os da cerca, não sabendo uns dos outros, ao dia por a manhã pediram licença as mulheres para irem a enterrar os corpos mortos, e não lho consentiram; o que os escravos fizeram às escondidas, e não se achou um palmo de pano para os amortalharem a nenhum, por deixarem as ditas mulheres em estado que ficaram despidas de todo, achou-se que todos estes corpos estavam com cilícios, e os que os não tinham com cordas cingidas, e algumas tão metidas por a carne que mal apareciam. E sabe-se que durante o tempo em que estavam cercados houve extraordinárias penitências, e até os meninos as faziam, sendo todos nus, e com cordas cingidas, e todos os dias se faziam procissões com um Santo Crucifixo, esperanças claras destas almas estarem gozando da bem-aventurança.”

DESPEDIAM-SE DE SUAS MULHERES E FILHOS

Na verdade, só os homens deveriam ser levados para o lugar do martírio, mas sabemos pelas próprias crônicas que algumas mulheres, com os seus filhos, acompanharam os chefes de família e foram também sacrificadas.

Santiago descreve a emocionante despedida e a chegada ao local do martírio com essas palavras:

Despediram-se de suas mulheres e filhos com muitas lágrimas, pedindo-lhes com muita eficácia que, pois iam morrer por seu Deus e inocentes, que lhes encomendassem as almas a seu Criador, e a quem pelo caminho foram pedindo perdão de seus pecados, dando-lhes muitas graças e, mui conformes por morrerem daquela sorte, e, antes de serem chegados ao sítio, teatro de crueldade e tirania jamais vista, foram cercados dos índios, e em chegando viam os cadáveres de seus companheiros e vizinhos que ainda palpitavam com as feridas, com cuja vista não desmaiaram, antes deram a Deus muitas graças consolando-se uns aos outros, e protestando que morriam firmes na fé católica romana.”

No local da execução, ainda marcado pelo sangue dos companheiros recentemente sacrificados, estando os seus corpos e membros espalhados por toda parte, repetiram-se as cenas de tortura e de extrema barbárie com “as mais estranhas e horrendas crueldades e tiranias que jamais se usaram”.

Cabeças cortadas, pernas e braços dilacerados; a muitos arrancaram os olhos e a língua; a alguns abriram o tronco, tirando-lhes o coração e as entranhas, cenas horríveis que até os cronistas sentem pejo ao narrá-las: “Os opróbrios que nestas mortes houve não são críveis, nem para contar-se sem faltar às leis da pudicícia, vergonha e modéstia.”  

PARTICULARIDADES DE ALGUMAS EXECUÇÕES

Os cronistas não apresentam somente uma descrição genérica dos suplícios infligidos ao grupo de moradores, mas se detém particularmente em alguns nomes, cujo martírio chamava a atenção pelo seu significado. Padre Ambrósio Ferro foi mais barbaramente atingido por causa de sua condição de sacerdote. Um dos cronistas diz:

Ao Padre Vigário Ambrósio Francisco Ferro fizeram tais anatomias e coisas, estando ainda vivo, que tenho pejo de escrevê-las, e bem se pode coligir que fariam hereges a um sacerdote tão honrado e virtuoso, em ódio e opróbrio da religião católica romana.”

Mateus Moreira é citado pelos três cronistas, embora com uma divergência de nome, Mateus ou Matias. A descrição de sua morte é o ponto mais expressivo de toda a narrativa de Uruaçu e constitui um dos mais belos testemunhos de fé na Eucaristia, confessada na hora do martírio.

Os algozes arrancaram-lhe o coração pelas costas, e ele morreu exclamando: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento.”

Frei Rafael de Jesus sublinha o significado profundamente religioso da profissão de fé, de Mateus, com este comentário:

E seria permissão divina para que a um mesmo tempo visse o herege, para sua confusão, este divino mistério (o maior de nossa fé) no coração que tirava e na boca por onde saía.”

Antônio Baracho foi amarrado a uma árvore e os holandeses, estando ainda ele vivo, arrancaram-lhe a língua pondo-lhe na boca em lugar dela as partes pudendas que lhe cortavam.

Não ficou só nisso: depois de açoitado, queimaram-no com ferro em brasa e, finalmente, tiraram pelas costas o coração,desejosos sem dúvida de verem o tamanho de um coração em que coube o sofrimento de tantos martírios.

Estêvão Machado de Miranda foi executado diante de uma filha de sete anos que suplicava, abraçada ao pai com grandes lamentações, que fosse poupada a vida de seu genitor. Depois do pai morto, cobriu-lhe o rosto com a saia, chorando e pedindo aos algozes que também a matassem.

Duas filhas de Estêvão Machado foram mortas junto com o pai. A uma terceira que era uma galharda donzela venderam-na aos índios por um cão de caça.

Um filho de Antônio Vilela, o Moço, ainda criança pequena, teve morte desapiedada, dando-lhe com a cabeça em um pau, a fizeram em dois pedaços.

Uma filha de Francisco Dias foi morta e aberta em duas partes com um alfanje.

Manuel Rodrigues Moura: seu martírio é citado por Lopo Curado Garro e Santiago (Lucideno, p. 153; Santiago, p. 348).

A esposa de Manuel Rodrigues Moura: depois do marido morto, cortaram-lhe as mãos e os pés; a mulher conseguiu sobreviver ainda três dias e “acabou dando alma ao Criador”.

JOÃO MARTINS E SETE JOVENS, SEUS COMPANHEIROS, FORAM OS ÚLTIMOS A SEREM TRUCIDADOS.

Os próprios índios, lamentando executar oito jovens tão cheios de vida, mostraram sentimentos de compaixão e intercederam por eles junto aos holandeses. Estes não se comoveram e, na presença de João Martins, mataram todos os seus companheiros, tentando desta maneira, demovê-lo de sua atitude. Ele respondeu com alegre rosto:

Não me desampara Deus desta maneira, essas tomei sempre contra o tirano, e não contra minha Fé, Pátria e Rei. E suplicou que o matassem logo porque estava invejando as mortes de seus companheiros, e a glória que tinham recebido, e quando não o quisessem matar, ele mesmo os persuadiria a que o fizessem.” (Lucideno, p. 153).

Tais palavras provocaram ainda mais a ira dos fanáticos “que lhe fizeram em miúdas partes o corpo”.


Oremos!

Deus Pai, Deus filho e Deus Espírito Santo!

Infundi em nossas almas o poderoso e eterno amor, a fé invencível e a confiança inabalável em Vós, para que, se um dia tivermos de provar nosso amor a Vós pela glória do martírio, estejamos cheios de alegria por nos achardes dignos de morrermos por amor a Vós.

Amém.

. . .

Deus, que é bom, misericordioso e poderoso, abençoe-nos a todos.
J.V.

Fontes:

Um comentário em “30 PROTOMÁRTIRES BRASILEIROS – Parte 02

  1. Bendito seja Deus por essa formação e preparação para uma qualidade de amor a Deus que tudo faz para um maior bem a cada um de nós seus filhos. Muito obrigado meu Deus, nosso Deus!!!

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